8.31.2010

Na berma

Na floresta. No meio da floresta. A uivar, como se pretendessem vergar as árvores ao som urdido com as entranhas de noites suadas.

Um homem sentado, na berma do passeio, escondido da porta de entrada para a estação de comboios. Noite. Lá longe ouve o som que lhe cola a lua às mãos. As recordações vêm cheias de barro. Irrompem pelo chão e possuem-no durante breves minutos. Toca na pedra fria e reconhece a limpidez das suas memórias outrora felizes.

Um saco de um vazio imenso, rodeado por muralhas de betão, cozido por anos de trabalhos forçados.

Lá longe, vê ela. Sozinho, cabisbaixo. Estendido na pedra quente de uma noite de verão. Agasalhado. Imagina quem será aquele para quem se olha com um sorriso repleto de letras. Abandonado.

A tentativa de romper as luvas que o protegem do frio é levado ao extremo. Os dedos são feitos de lã. A pele é feita de lã. O olhar é feito de tristeza. O corpo, distendido, preso pela gravidade, sacode o pó de si.

O frio contorna-lhe a face, o calor dá-lhe o timbre. Discrimina os opostos, distingue-se no luar. O espelho revela-se nos rostos das pessoas que passam, nas arestas polidas dos fatos angulosos e dos acessórios de verão.

É aquele que eles vêem, escondido debaixo dos pés pretos, dono da sua caverna do tempo. Serve de gota de contraste, a tonalidade que dá coerência ao olhar que o perfura com interrogação.

Está frio aqui dentro. –5º. Os números cegam. 25º. O comboio vai partir. Ouve-se o vozeirão da partida. Partem. Logo estará lá, enrolado, coberto de si, preso às migalhas que colam, aos ratos que colaboram, às pombas que vagueiam. Eterno.