Num texto anterior terminava com uma questão muito simples: será que viver fora permitirá uma análise mais completa do que impede Portugal de se transformar?
A minha resposta é sim, absolutamente.
Viver fora de Portugal não implica um divórcio completo relativamente ao país ou, como alguns energúmenos afirmam, uma traição à pátria. Aliás, esse tipo de comentários é apenas um sinal da disfuncionalidade a que por vezes, e de forma simplista, confesso, refiro de esquizofrenia coletiva. Mas adiante, comentário à parte, a minha resposta afirmativa baseia-se em simples argumentos.
Estar fora de Portugal não implica estar fora de Portugal. Confuso? Apesar de viver no Canadá, estou perfeitamente ciente do passado, tanto da minha vida em Portugal como dos acontecimentos que lá ocorrem.
Por outro lado, o facto de viver cá coloca-me num processo de transição e desafio constantes, que infiltram constantemente as minhas reflexões sobre Portugal. A todo o momento estou a ser interpelado por uma cultura diferente, signos distintos, inteligibilidades singulares, questões diversas. Nesta interface que me coloca entre um mar revolto de adaptação e a acalmia confortável das minhas origens, brota uma percepção singular da forma como olho para Portugal.
Na perspetiva que apresento, olhar de fora para Portugal permite observar as similaridades e as variações de grau e, noutro ângulo, as diferenças que decorrem dessas variações ou a novidade que se assume como diferença.
Para não maçar o leitor, introduzo apenas uma destas comparações, que aprofundarei num texto vindouro.
As pessoas. É praticamente lugar comum afirmar que os portugueses são simpáticos e afáveis. Na minha opinião, não é bem assim ou, pelo menos, não é totalmente correto. Julgo que intensos ou emocionalmente mais exuberantes servirão melhor esse propósito.
Os canadianos que tenho conhecido são muito simpáticos e afáveis, mas muito menos intensos ou expressivos. Mantêm uma distância afetiva muito mais pronunciada do que os portugueses. A este propósito conto uma estória sempre interessante sobre o feedback da minha atividade de voluntariado com miúdos expulsos da escola. Comunicaram-me que deveria manter maior distância física na relação com os miúdos.
Como é óbvio, trata-se de uma questão cultural, de gestão de zonas de conforto. Curiosamente, nunca senti nenhuma reação não verbal por parte dos miúdos que me fizesse pensar dessa forma.
Noutra perspetiva, a altivez que muitas vezes se traduz numa manifestação similar a uma sociedade de castas - sr. Engenheiro, qual é a sua opinião sobre o discurso do primeiro-ministro? - não é muito frequente aqui. As pessoas tendem a ser menos formais e rígidas e, por esse motivo, menos preocupadas com o status quo.
Este é apenas um exemplo de como estar fora permite olhar-nos a nós próprios não apenas pelo prisma da comparação de duas realidades distintas mas, e principalmente, analisar em que situações é que as diferenças que se assumem negativas são vistas na sua vertente positiva.
A comparação que faço aqui não é apenas um exercício voluntário mas uma consequência natural do processo de adaptação. Nesse sentido, o resultado é espontâneo e pouco laborioso.
Portugal é muito mais do que as narrativas dominantes na sociedade portuguesa; pelo contrário, irei tentar demonstrar que é nesta diferença que deveremos identificar aquilo em que somos bons e os aspetos que devemos melhorar.
Como não tenho poder para mudar nada substancial, cinjo-me a pensar sobre como poderíamos ser melhores como sociedade. Afinal, estar fora não significa um abandono relativamente a Portugal. Muito pelo contrário.
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