12.22.2007

Tu, AA.

Tu, a tua voz doce urde a membrana que nos une, fazendo com que a distância entre a mente e acção seja uma ilusão. Tudo surge como se o significado fosse um bote no mar, com uma luz a iluminar as rotas já conhecidas. Tudo me leva a ti. O teu odor guia-me por esta floresta da qual me alimento. Uma floresta de energia na qual vou buscar as gotas com que vertes as lágrimas, nas quais o bote se move. Que alegria! Que inefabilidade! Não me deixes aqui, perto de mim, longe de mim, longe de ti. Vem para a minha beira. Vamos encostar os ouvidos junto às nossas bocas e deliciar o escuro e os fantasmas que lá habitam. O desconhecido do sonho, o errático pesar do incógnito. Tudo conheço, tudo vejo e tudo sinto. Tudo isso! Tu, aqui, junto de mim, e beijo-te na boca, sem parar, sem parar! Ouves o som? A manifestação da arte é um requinte da existência. E que requinte! Não te mexas!

12.18.2007

Polifonia

“Até seria melhor o seguinte: eu próprio acreditar nalguma coisa daquilo que acabei de escrever. Juro-vos, meus senhores, que não acredito em coisa alguma do que escrevi, em nenhuma das palavras que acabo de garatujar! Ou seja, se calhar acredito, mas ao mesmo tempo, sabe-se lá porquê, sinto e desconfio que estou a mentir com quantos dentes tenho."

página 61 dos Cadernos do Subterrâneo de Dostoiévski

12.13.2007

Papel

Quando escrevemos reescrevemos uma imagem de nós. Ou melhor, somos outros aos olhos dos outros, e somos os mesmos no nosso Alter. Quando escrevemos anulamos um pouco do diálogo, seja por ele já ter acontecido e a escrita ser um produto, ou porque o diálogo precisa de vozes em sintonia para se imprimir na escrita. Todavia, isto está tudo errado. Não me vês a dialogar neste preciso momento? Pois, como pensei também nisso! Mas é verdade que me engano. Engano-me porque escrevo o produto de um processo interminável que se espera calmo e fluente. Quantas horas perdemos a ouvir-mo-nos? Consegues escrever nessas ocasiões? Não duvido! Eu consigo mas não no papel. Assim, desta forma tão organizada, não. Escrevo com linhas tortas ao longo de um tecido que me difunde pelo meu corpo, sem que consiga reconhecer o texto escrito. Linhas que escorrem por mim abaixo. Fica uma amálgama de existências tácitas quando me penso. Modificações fugidias de quem se escreve ao ouvir-se. Ao mesmo tempo, inevitavelmente. Como agora, inevitavelmente. Por isso, tenho dificuldade em aceitar completamente que quando escrevemos estamos perante uma mera escrita. Não, reescrevemos a existência através de novo diálogo: a escrita. Ou seja, produto é processo, diálogo é produto, diálogo é processo, escrever é reescrever, rever é voltar a escrever, sendo que o final é o princípio de um diálogo a iniciar.

12.06.2007

Liberdade

Porque é que é importante "ter" liberdade? O que é a liberdade? Para além (???) do constructo, o que significa estar livre nesta prisão do tempo? Que correntes são estas que amarram o meu olhar ao teu e nos impedem de "ser" livres? Como alcançar a liberdade senão pelas nossas meta narrativas? Que liberdade quando aprisiono um determinado espaço de inteligibilidade? A liberdade é de algodão: tão suave e quente que nos adormece. A liberdade é uma definição curiosa para justificarmos o individualismo. Será que somos menos livres quando viramos as costas uns aos outros? Porventura, seremos mais livres quanto mais livremente conseguirmos harmonizar a discussão entre as vozes que nos habitam: sem prisões preventivas, sem multas e encarceramentos. Apenas discussão, contradição, permissão, recusa, definição, imitação e diálogo. Sim, peço a tua liberdade para me libertar, sem pensar que necessitas da minha para o fazeres. Egoísmo da liberdade? Não te enganes, liberdade. Estive a falar de ti ao longo destas linhas. Agora, e digo preso a estas linhas que se cosem ao longo do meu corpo, sou livre. Amanhã também? Veremos.

Quem és tu com quem eu dialogo?

Enquanto te vejo, vejo-me a tentar tratar-me da mesma forma de sempre. Procuro-me não no teu olhar mas na compreensão de que o teu olhar lança uma miríade de memórias que me relembram da minha missão. Ponto zero da vida. Reconheço-me sem que esteja preocupado em fazê-lo. Fico confuso por pareceres querer dizer que sou sempre o mesmo. Não sou produto. Sou processo. Esqueceste que me procuro dentro de mim, dentro dos teus sonhos e angústias, mesmo quando procuras procurar-me. Vazios no espaço. Longínquos no tempo e no espaço. Provavelmente nem existes. E eu procuro-te na terra que se levanta nos meus dedos. Estarás a dialogar comigo sem quereres ver que sou eu quem tu és? Enfraqueci. Nada mais que o meu rosto te ilumina. Nem as rotas com coordenadas passadas te fazem reconhecer-me. Pois, nem eu me reconheço nos meus esforços para te mudar em mim. Nada feito das sessões que progressivamente fui anulando, tentando eternizar-me. Não, não existes e enquanto não existes tenho que reconhecer que não existo...assim. Endereço-me por carta um ano antes de me ver. Escrevo de longe, longe das minhas redes prototípicas da minha subjectividade. Estou contigo neste mar infinito no qual mergulho. Tudo é meu, mesmo que aquilo que a verdade me ilude, embora sendo a minha verdade. E é tudo falso e é tudo verdade. Saí agora de casa. Volto já. Esperas?