O nome da minha perplexidade tem um sabor amargo. Cheira a mães esquecidas pelo tempo, a pais ausentes da proximidade, famílias engolidas por si próprias, ignorantes da sensibilidade.
Vive-se demasiado tempo com o ar dos copos, a imensidão dos pratos, o tiq-taq do relógio. Prossegue-se incessantemente para algures longe, perto da decadência, longe do amor.
Pequeno almoço de bolachas de água e sal, leite a acompanhar. Lanche matinal de bolachas de água e sal, leite a acompanhar. A repetição dos danos envergonha a repetição dos gestos.
7 anos. 9h30m. Sono. Mãe. Filho. Escola. Dia. Caminho.
Sem tristeza, sem saber que é possível zangar-se com a mãe, que é quem se zanga pelos astros todos que habitam a sua cama, antes de dormir.
Sortuda. Próxima dos sonhos de uma vida a que aspira, talvez perdida num pesadelo do qual não se consegue libertar. E ele a caminhar suavamente, utilizando os seus chinelos mágicos, flutuantes. Sono profundo.
“Mãe, tens que me ir levar à escola!”. O Mundo está lá fora, longe dela, perto da iniciativa dele de mais tarde dizer que ela é uma sortuda. Dorme mais. Sortuda. Não tem que trabalhar. Sortuda. Não se preocupa. Sortuda. Não tem que estudar. Sortuda. “Estou aqui, mãe!” Sortuda.
Sortudo? Não. Mas não se importa. Cuida-se sem desculpa, mostra os olhos que esperam pela reciprocidade, pelos olhos dela que poderia levá-lo de nave espacial para o melhor dia da semana.
“Fiz sozinho”. Sim, é verdade, fizeste cheio de ti, cheio de desejo de viver.
Sortudo? Sim.
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