Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei de sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravassar-me,
Despi-me, entreguei-me,
E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente
Álvaro de Campos
As palavras são preciosas. A cada gota um olhar, a cada lágrima um desejo, cada amante um navio. O mar, esse mar do norte levou-me para ti. Dos teus braços, a represa dos sonhos.
Speechless.
12.26.2005
12.17.2005
Subversão do perpétuo
Eu só poderia gostar de ti se fosses muitos...não que fosses muitos iguais. Só te gostaria de abraçar se fosses diferente. Tu infirmas o ventos, tornas a minha voz exaurível. Imbricas o gladiador que me derruba a consciência. Tu és diferente e quando olho para ti, por inacreditável que pareça, não me vejo. És meu criador, meu servo, meu amante? Abandonáste-me...vejo-te assim nas noites quentes bafejadas pela nossa presença, vejo-te dialogando comigo, pedindo-me sonhos e memórias, ventos de mudança, canções perdidas. Que te dei eu? Calei-me. Pois caláste-te quando eu te mandava falar. Mentia, subvertia-me. Mentia as minhas verdades porque não conseguia ser verdadeiro o suficiente para te mentir. Mentia para te mentir não te dando verdades sobre mim. É culpa minha. Não te apoquentes. Foi culpa minha. Eu que tenho ideologia própria, um sistema multiuniversal distinto do teu, que se passa comigo? E tu porque é que não ajudáste também? Entorpecido, enganado, pousado sobre a vida, deslizando sobre a podridão do discurso único. Também não o ajudáste. Não tens voz audível...soas a radiofonia encarcerada. Emites apenas para ti. Não queres saber de ninguém. És uma paisagem de pedras verdes porque verdes são as tuas mãos tóxicas. Pois bem, estou diferente e por isso tu estás diferente. Já me sinto na tua consciência. Já sinto que tens uma consciência que mutila as muralhas de rostos que me separam de ti. Contradizes-me? Como ousas tal? És ilógico, vou-te fechar nas vozes do meu eu subterrâneo. És demasiado polifónico. E tu, tu atinente soldado traidor, quem és tu? Lutei contigo quando estavas sentado nas orlas da desesperança. Lembraste que fui eu quem te trouxe pela colarinho até ao peito da costa? Deves-te lembrar, disseste "Que areia! Quem me traz? Eu?". Lembro-me bem. Estavamos no Inverno, estação interior, Verão estação dos deuses. Era quente a revolução. Sem cravos, sem vida, sem revolucionar nada que vos permitisse revolucionar. Mas, esperem. Foi a nossa pequena revolução. Remamos noites e manhãs infindáveis e anulámos tardes quentes de mais. O frio excomungável...o diabo nos pormenores...eu estava à espreita. Réptil. Quieto. Silencioso. Esperava não ver rugir no silêncio da noite. Tinha, tinhamos uma missão a cumprir. Eu só poderia gostar de ti se fosses muitos. Eu fui muitos que se escondiam das palavras uns dos outros. Eu só poderia gostar de mim se vocês fossem olhares para lá do meu alcance. Se fossem diferentes, substâncias parcas de amargura quando amargura servia o meu nome. Passaram-se 20 anos. Estamos mais velhos, estou mais velho. Cada vez vos excluo mais. Acreditem que não é por pensar que vocês são memorias antigos ou museus de guerra. Tenho uma praia de memórias. Consigo regurgitar ódios. Consigo abraçar amores. E consigo abraçar-te. A ti também...a ti,....tu ainda te lembras de mim? Vivemos de costas voltados 20 anos, praticamente desde que te criei. Sim, sempre fui um espelho baço dos teus desejos, amâlgamas de efeitos sem substrato, folha sem raíz. Mecânico sem mecânica, professor sem aluno, aluno de mim mesmo. Autodidacta do esquecimento. Aperfeicoei-me sentado aos teus pés. Arrastaste-me sem piedade como se de ar o corpo fosse feito. Criaste numa prisão de sonhos, um terror de desejos, em que desejar é morrer mais e mais e mais e novamente, novamente, novamente, novamente. Faço as minhas pazes ao som desta música que traz memórias vivas, carne viva aos bocados, partes do meu corpo espalhado pelo multiverso que não foi fácil recuperar. A minha voz, poeta morto de uma pessoa vida, uma vida morta sem a iluminação das vossas consciências. Como é difícil perdoar-me. Arrepende-te bem. Arrepende-te devagar. Eu espero. Eu também. Eu não fujo, digo agora. Acuso-te de seres a voz do mundo. Acuso-te de não teres tido a sublime sensibilidade do tacto. Eu, odeio-te homem! Tu deixaste-me preso, enviaste-me para o esquecimento! Olha para mim! Eu não olhei para ele. Cobarde, sei que sou. Olha para mim homem despersonalizado! Olha para ti! Não consigo...és demasíado dependente..de mim. Não te quero mas não está nas minhas mãos excluir-te. Exclui-me, mata-me, desintegra-me, cala a minha boca calando a tua. Testa-me. Sou um roteiro sem fim. Não acabarei, não definharei. Serei menos que tu nas emoções quando me emocionar. Serei tanto como vocês quando de mim quiserem a minha vida. Tomem-na! Não receio o discurso da subversão. Desautorizem-se, corrijam-me. Engano-me, minto-me, multiplico-me, extravasso-me, inquieto-me, subverto-me. Renasço.
12.10.2005
Momento
Eles são bebés de guerra. São demónios. Flores gigantes que arrancam do céu os sonhos que vêm de longe. São troncos velhos, de alecrim, microscópicos. Somos isto. São conversas macroscópicas, conversas em que o mundo fala a nossa voz. As nossas vozes. Somos isto também. Sou isto. São bolurentos momentos de figuras invertidas, espelhos das marés. Olhos fechados, mãos abertas, costas navios flutuantes nos céus. Sonhos, somos isto. São, sou aquele. Há consciência da partida. Falo de mim para mim. Eles são livros sem letras, letras sem forma. Vejo-me e dou-me a olhar. Há consciência na chegada. Não há consciência. Abro a porta, são eles, eu, que partimos. É um cubo invertido, é uma bola invertida. É como o mundo, eles, eu, tu, mais distantes do que longínquos, apenas não tão perto como de nós próprios, de mim próprio. Fala do plural no plural. Eles são eu mas eu não consigo ser eles. Eles são momentos de sol em brisas de nevoeiro, neblina....que afuguenta os debates monológicos de fim do dia, que chamam a diferença. Eles são rios que escorrem nas lágrimas do xisto. Sou de mármore. Talvez uma flor ininteligível...quem sabe, o raio de luz morto caído no chão esvaziado em sangue. Sou tão lento como ele e ele mais rápido do que eu. Tu. Quem és tu? E tu que vês? Não falas, não vês, não sentes...o que és? Eles são de tempo. Fui, era. És pó sedimentado nas memórias. Serei. Sou o vento migratório, transporto as minhas poluições, as nossas, as tuas. São ortodoxos, sou liberal, somos democratas. São de papel, inscritos na água, sem rasto. Eles são novos, vestidos a rigor, demasiado bonitos para serem sombras. São de carne sem sangue, de músculos desfeitos. Articulam discursos que saem das suas bocas como as penas saem da minha. São casacos feitos em casa, fatos de palhaço, de índio, de quem será presidente. São vários e são tristes. São demasiado felizes para serem tristes. Tu, Wodelsim, quem sou? Escreves e não paras. És uma contradição. Escreves coisas sem sentido esperando delas sentido. Wodelsim, és um impróperio. Fazes mal! És uma serpente com coração de dador de orgãos. És uma alma ambiciosa. Corres de mais. Eu sou como tu dizes, apenas um existente escondido. Não queria ser indelicado mas mais pareces um comentário à inversão estética da minha vida. Eles são sinos, rugem como o sopro mais silencioso de uma noite de neve. São savanas áridas, em que nos molhamos, em que te molhas. Arrancas as balas do chão, sintéticos da vida. Ele é engenheiro, tirou um curso nas universidades do tempo. Cria aparelhos que conectam a vida à inexistência. É brilhante e baço, e não gostas muito de mim. Sim, eu não deixo de gostar dos cais de poemas que trazes às costas, íngremes e sublimes. Castanhas como a água que corre nas minhas veias. Sou de barro. Escreves-me de barro e falas comigo, modulando-me a voz, moldando-me o corpo, rotulando-me a identidade. Quem queres que eu seja agora que escrevo para ti?
12.04.2005
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