12.10.2005

Momento

Eles são bebés de guerra. São demónios. Flores gigantes que arrancam do céu os sonhos que vêm de longe. São troncos velhos, de alecrim, microscópicos. Somos isto. São conversas macroscópicas, conversas em que o mundo fala a nossa voz. As nossas vozes. Somos isto também. Sou isto. São bolurentos momentos de figuras invertidas, espelhos das marés. Olhos fechados, mãos abertas, costas navios flutuantes nos céus. Sonhos, somos isto. São, sou aquele. Há consciência da partida. Falo de mim para mim. Eles são livros sem letras, letras sem forma. Vejo-me e dou-me a olhar. Há consciência na chegada. Não há consciência. Abro a porta, são eles, eu, que partimos. É um cubo invertido, é uma bola invertida. É como o mundo, eles, eu, tu, mais distantes do que longínquos, apenas não tão perto como de nós próprios, de mim próprio. Fala do plural no plural. Eles são eu mas eu não consigo ser eles. Eles são momentos de sol em brisas de nevoeiro, neblina....que afuguenta os debates monológicos de fim do dia, que chamam a diferença. Eles são rios que escorrem nas lágrimas do xisto. Sou de mármore. Talvez uma flor ininteligível...quem sabe, o raio de luz morto caído no chão esvaziado em sangue. Sou tão lento como ele e ele mais rápido do que eu. Tu. Quem és tu? E tu que vês? Não falas, não vês, não sentes...o que és? Eles são de tempo. Fui, era. És pó sedimentado nas memórias. Serei. Sou o vento migratório, transporto as minhas poluições, as nossas, as tuas. São ortodoxos, sou liberal, somos democratas. São de papel, inscritos na água, sem rasto. Eles são novos, vestidos a rigor, demasiado bonitos para serem sombras. São de carne sem sangue, de músculos desfeitos. Articulam discursos que saem das suas bocas como as penas saem da minha. São casacos feitos em casa, fatos de palhaço, de índio, de quem será presidente. São vários e são tristes. São demasiado felizes para serem tristes. Tu, Wodelsim, quem sou? Escreves e não paras. És uma contradição. Escreves coisas sem sentido esperando delas sentido. Wodelsim, és um impróperio. Fazes mal! És uma serpente com coração de dador de orgãos. És uma alma ambiciosa. Corres de mais. Eu sou como tu dizes, apenas um existente escondido. Não queria ser indelicado mas mais pareces um comentário à inversão estética da minha vida. Eles são sinos, rugem como o sopro mais silencioso de uma noite de neve. São savanas áridas, em que nos molhamos, em que te molhas. Arrancas as balas do chão, sintéticos da vida. Ele é engenheiro, tirou um curso nas universidades do tempo. Cria aparelhos que conectam a vida à inexistência. É brilhante e baço, e não gostas muito de mim. Sim, eu não deixo de gostar dos cais de poemas que trazes às costas, íngremes e sublimes. Castanhas como a água que corre nas minhas veias. Sou de barro. Escreves-me de barro e falas comigo, modulando-me a voz, moldando-me o corpo, rotulando-me a identidade. Quem queres que eu seja agora que escrevo para ti?

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