10.14.2005


Chamo-lhes diferentes mas no fundo são esquisitas. Não caminham como eu, mexem-se de uma maneira que não consigo perceber, respiram no lodo e não sufocam, cruzam as palavras com malhas extenuantes, lambem afincadamente as feridas da glória. São demasiado diferentes e são esquisitas. Os seus corações não são vermelhos como as cerejas, são arco íris de cores infinitas. As suas mãos têm mais caminhos que os meus, mais suavidade que as minhas, mais sensibilidade que as minhas. Os cabelos são longos, curtos, curvados, ramagens do vento. São demasiadamente diferentes de mim. Não pedem desculpa mas amam-se. Não amam mas pedem desculpa. Gostam de não desculpar porque não sabem onde, quando, e a quem amar. Amam muito o pôr do sol quando ele se põe nas suas frontes arrebitadas para o céu. As suas diferenças são as minhas diferenças porque sou eu, no monte da natureza egoísta, que diferencio aquilo que a minha pele arrepia. Lá ao fundo a pessoa esquisita que caminha, sou eu. Quem se afasta das folhas mortas do chão, sou eu. Quem as chuta e as despreza, sou eu. Sou eu a diferença que veio para ficar. No entanto, a pessoa que condena, condena-se a si própria na sua cápsula hermética. Enche-se do gás tóxico da mentira e respira-o profundamente. Respira-o lentamente. Respira-o com vaidade. Respira o aroma mortífero da ignorância. No fim, tanto como no princípio, a terra desabará e engolirá aqueles que não percebem que afinal quando lhes chamamos esquisitas estamos a erguer com cobardia o facto que são apenas diferentes. E quanto a isto, soltem as bravuras das glórias!

1 comment:

Anonymous said...

Este é um bom post para mim... Freud chamou a este texto que a seguir transcrevo ´o futuro de uma ilusao´: "As pessoas estarão sempre prontamente inclinadas a incluir entre os predicados psíquicos de uma cultura os seus ideais, ou seja, as suas estimativas a respeito de que realizações são mais elevadas e em relação às quais se devem fazer esforços por atingir. Parece, a princípio, que esses ideais determinam as realizações da unidade cultural; contudo, o curso real dos acontecimentos parece indicar que os ideais baseiam-se nas primeiras realizações que foram tornadas possíveis por uma combinação entre os dotes internos da cultura e as circunstâncias externas, e que essas primeiras realizações são então erigidas pelo ideal como algo a ser levado avante. A satisfação que o ideal oferece aos participantes da cultura é, portanto, de natureza narcísica; repousa no seu orgulho pelo que já foi alcançado com êxito. Tornar essa satisfação completa exige uma comparação com outras culturas que visaram a realizações diferentes e desenvolveram ideais distintos. É a partir da intensidade dessas diferenças que toda a cultura reivindica o direito de olhar com desdém para o resto. Desse modo, os ideais culturais tornam-se fonte de discórdia e inimizades entre unidades culturais diferentes, tal como se pode constatar claramente no caso das nações." Primeiro estranha-se, mas com a convivencia e uma abertura de espirito deixamos de lhes chamar esquisitos, para lhes passarmos a chamar de diferentes (mas sem isso significar que sao inferiores ou superiores).