Ver-te foi como dobrar a memória e escorrer as letras, os sons, as expressões e a beleza dos meus quadros dos nossos momentos passados pelo meu corpo abaixo. Apanhei os cacos e misturei tudo novamente. Descobri que, no essencial, pouco mudou. A tua expressão congelou-se no tempo, cosida que está à tua identidade; o teu corpo continua ligeiro e esguio; os teus olhos continuam a ser lupas que fazem um zoom perscrutador; o teu andar continua como a brisa de quem vai ao infinito e que volta já; as tuas palavras continuam carregadas de ti, cheias do peso da tua leveza singela; o teu sorriso uma amálgama de presentes futuros que se oferecem sem vergonha e sem reparares.
Eu, vertido à tua frente, não querendo entornar-me nas tuas mãos e esquecido dos pormenores mas engrandecido pelas tuas marcas suaves, fui. Ali, fui. Nem mais, nem menos, diferente do que tiveste nos teus olhos límpidos e doces, igual na essência que me transporta pelos caminhos cruzados. Melhor, pior. Errático. Ansioso por respirar a vida por todos os poros. Errático. Como todos. Como eu. Como tu. Cheio de sonhos. Breves, longos. A preto e branco, coloridos com desejos exóticos e, ao mesmo tempo, de desejos simples, rudimentares, animalescos. Animal. Grosseiro no desejo de viver, terno no desejo de me viver.
Ver-te foi como ver-te na segunda página do teu livro interior e numa das páginas do livro aberto. Páginas rasgadas, palavras riscadas, linhas desalinhadas. Ver-te foi como colar uma nova página, inserir caracteres novos mas do mesmo desenho, o teu traço único. Ver-te foi beber-te um pouco e foi bom. Refrescante.
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