1.22.2006

Quem és tu?



Já te terei dito que vivo de rudeza. Já terei ouvido de ti a sinceridade do teu peso. Peso pluma, cores monocromáticas. Porém, que me resta senão desmentir-me? Preso, insuspeito da dúvida, terei que segurar-te com gravidade. Encomendei segredos, recebi becos sem saída. Procurei perguntas, recebi caminhos verdes de rota infinita. Aí encontrei-te. Nem pálida, côr de Primavera esquecida. Não seja a banalidade tua inimiga nem a ilusão o sonho inatingível. Não te deixei ir. Raptei-te para os meus braços. Chocolate derretido com inspiração. Montanhas, vales, pastores do tempo, vazio e voo. Nem migração, nem mutabilidade. Congelado. O futuro bem longe. O sonho de não te deixar ir. A terra áspera com que me cubro, o mar límpido dos teus olhos com embarcações de vento...Trouxe-te para porto inseguro: o Amor. A pele aguda das saudades, cobertor do sonho, metade desconhecida, metade por redescobrir. Por isso e não com isso, abandonei-te pela saudade de te percorrer em marés ininterruptas. Lua cheia, terras movimentadas, mar castanho. Agora vagueias pela minha pele. Um corropio de armas de destruição maçica, dores da magia. Descobres o ventre da minha voz cada que, sem mapa, encontras a chave da partida. São graves os teus passos, chumbos nos meus músculos. Impossível respirar, nem que seja respirar-te. O melhor, namorados de água, é respirar-mo-nos. Beber vozes fluídas sem ouvir os ruídos mecânicos do positivismo. Vagueias, sem pressa, redundantemente. Observas de que matéria são as minhas ilusões. Abandonáste-te ao relento, esperáste reciclagens de vida. Insofismável Amor, redobrada pele que te absorveu. És liquido que se espalha pelos meus dedos, marcando as palavras com etiquetas de presença. Migalhas de pão dizes tu. E porque é que a tradição não pode ser futuro? Pois bem, aqui tens. Não tens quantidade, tens insufláveis pétalas de odor carnal. Abana-te, segura-te caule, ela é forte e decide os braços de acordo com o humor. Pára, pára um pouco. Ouvi-te sem te interromper. Sabes de que cor são os meus olhos? Sabes que gosto de caminhar à beira mar? Sabes que gosto de ti e que não consigo fazer uma condição disso? Sabes que o chão que calcas é a pele do mundo, terra dos deuses? Sabes que os sonhos são de pele e que a pele é o cobertor da diferença? Sabes que percorri mundos rudes para te poder ver por um segundo? Lembraste que nesse segundo estavas a sonhar-me? Sim, eu era o dia quando estava escuro. Sabes que nesse segundo não houve tempo nem espaço? Sim, é uma indefinição da matéria. Sabes que gosto de te abraçar calmamente, de te tocar e sentir que és diferente do sonho? Sabes que a tua voz são vozes que vociferam cânticos suspeitos de renascença? Sabes que o diálogo que mantens comigo é de mármore e que dele retiro o frio para me aquecer? Sabes que te quero calar e colher? Parar. Respirar. Caminhar. Dar a mão e silenciar a vibração que fazes no ar. Sabes que não tenho uma pergunta que seja para te fazer? Pois bem, quebrei. Ouço-te dizer que quebráste. Sempre te mostráste como um livro. Um livro que eu abria, escolhia uma página e lia uma linha da tua vida. Mas sabes, agora não te consigo ler. Estás codificado numa linguagem que não tem vida. Não, não é um paradoxo. Não mantemos uma relação? Que raio estás praí a dizer? Não me percebes? Sou eu...mas quem sou eu? Tu, eu? A minha pele, minha, tua? Os meus sonhos, meus, teus? Foi por isso que eles rasgaram a pele. A terra abriu, o calor derreteu-os, as pessoas ficaram preocupadas. Eles eram dois apaixonados, disseram que de uma lenda. Não acredito, tantas vezes os vi dentro de mim, como um teatro privado. Dialogavam sem cessar, criando metamorfoses na minha vida. Agora que estou velha, quem são vocês? Partes de mim adormecidas? Quem são vocês que me partilharam com os ritmos das estações? Pára velha mulher. Foste o exilir dos nossos corações. As nossas recordações são o teu futuro. Ficarás mais velha, serás de pó e nós de terra, e nós...seremos um diálogo do tacto perpetuado por vozes que se espalharão pelas ruas da imensidão. Serão os buracos que iremos abolir. Criaremos árvores de seda, correntes de algodão. Seremos monumentos, estaremos ao teu lado na lápide. Seremos um pouco dos automatismos que nos pensam. Seremos a natureza humana sem pressa. Não vos esquecerei. Afinal, vocês ainda virão de mim um dia para me acompanharem na descoberta do Amor. Sim, sabem agora quem são?

1.06.2006

Espaço e tempo

Um quadrado. Vi-te por um retrato. Tecto vermelho, orquídeas pousadas nos pés dos deuses. Paredes pintadas de guerras, memórias de temp(l)os destruídos. A princesa vagueava pelo ar, o espaço do futuro. Os mercadores das especiarias que aguçam a vontade de te cultivar despertaram. Vejo as rotas, rotas do meio. Filhos, espelhados ao longo do húmido soalho recriavam a vontade de redescobrir. Os profetas deslizavam pelas espadas longos cânticos que ouvi ressoar nas paredes. Zumbidos do teu coração. Alertas de repouso. A vida está aqui. Um circulo. Mãos dadas, beijos queimados pela brisa maritima. Os dias enamorados com as noites. A secura do feno bamboleante nas tuas costas. Transportas a memória e o que com ela não fizeste, a memória da ilusão e a ilusão da memória. Percebi-te, infinitamente espartilhada, quando, sem pressa, me deliciei a conjungar as mãos no horizonte. Vinhas de este. Trazias numa mão a pressa de amar e na outra o esquecimento do amor. Estava sentado na posição de lótus. Acarinhava ao centro o passado no espaço do presente e o futuro no espaço do teu olhar. A amplitude assutou-me! Tive que desenhar-te no mapa para te poder conter em mim. Perdi nesse momento a noção da finitude. Encontrei o medo de sentir. O medo de perder adquiriu-o o meu silêncio. Nesse momento intemporal, insurgiu-se o que eu temia: a figura passível de ser amada. Foi uma brusquidão que acelerou o tempo. Vi as rotas, os fumos, as caras, as saudades, as partidas, as caras tristes, cáries da saudade. Agora, parto em busca de uns espaço e tempo renováveis, a partir dos quais me possa lançar para a imensidão. Seguir-se-à a inconsciência, da emoção de explicação tácita, exaurível de demónios, insofismável. Descanso nos telhados do mundo. A vida passa, colhe flores e arranca pétalas..escolhe rumos. Calhou-nos a corola, calhou-nos o cerne da vida, calhou-nos viver sem tempo e espaço. Algures no espaço estelar, vejo daqui, brincam e degladiam-se beijos cortantes, abraços carnudos, cabelos sublimes. Qual sansão, o mundo vem atrás e traz a infinitude do acreditar, do fulminante reinado do sublime. Erguemos as mãos. Quem serão elas? Mãos de quem?